Ultima sobre "O Código da Vinci"
Este é o ultimo post sobre "O Código da Vinci", eu prometo - a não ser que lancem O Código da Vinci 2. Meu amigo Fernando Valle, mestre em História, escreveu o interessante artigo abaixo, apresentando uma interessante opinião sobre o filme e o livro:
"Como esperado, a estréia mundial de "O Código da Vinci" foi um verdadeiro sucesso nas bilheterias com US$224 milhões de dólares nos três primeiros dias de exibição, sendo superado só por "A Guerra das Estrelas". A assistência massiva alimenta-se, claro, da expectativa causada pelo livro de Dan Brown cuja venda global ultrapassa já os trinta milhões de exemplares. Porém, a posta em cena do polêmico romance também trouxe à tona o núcleo do sucesso do livro de Dan Brown: a sua pretensão histórica.
Com efeito, recentemente a historicidade do romance foi o tema de várias publicações nacionais como a revista Veja ("O Código Da Vinci é, sim, uma fantasia"), a revista Época, ("Tomar todas as invenções de Brown como verdadeiras é quase como acreditar que o mundo dos magos de Harry Potter existe de verdade") e até a revista Galileu ("Não queremos ser estraga-prazeres, mas, na verdade, Brown mentiu"). A insistência no tema deriva-se da pretensão do autor de abordar fatos históricos que desvelem um suposto "segredo sussurrado durante séculos" e que implicariam uma re-interpretação completa do cristianismo.
Deste modo, Brown não quer ficar restrito ao âmbito da criação fantasiosa literária mas pretende afirmar que o seu romance tem um sólido fundamento histórico. "Todas as descrições de obras de arte, arquitetura, documentos e rituais secretos neste romance correspondem rigorosamente à realidade", lê-se no prefácio. Brown adicionaria posteriormente no seu próprio website: "Minha sincera esperança é que O Código Da Vinci, além de entreter, sirva como uma porta aberta para o início das investigações (históricas)". Trata-se, portanto, de um romance que é supostamente produto da erudição, pesquisa e trabalho sério com base em documentação histórica. Porém, qualquer investigação histórica realmente séria prova que nada disso é verdade.
Escrito com hábil mão para enredos e thrillers policiais, "O Código da Vinci", no prefácio, afirma alguns supostos "fatos" históricos. Em primeiro lugar, afirma-se como "fato" que o Priorado de Sião é uma "sociedade secreta européia fundada em 1099" que supostamente conservaria o segredo que a Igreja estaria empenhada em ocultar: o casamento entre Maria Madalena e Jesus, que teria encomendado a ela a fundação de uma religião de culto do andrógino com presença do sagrado feminino. Na verdade, o tal Priorado de Sião é uma entidade criada em 1956 no cartório de um povoado francês de Saint-Julien-en-Genevois por Pierre Plantard, um esotérico personagem anti-semita que já tinha encarado processos na justiça por falsificação de documentos. O próprio Plantard teve que admitir diante do tribunal presidido pelo reconhecido juiz Thierry Jean-Pierre em 1993 que os chamados "Dossiês Secretos" (considerados autênticos por Brown no prefácio), que supostamente conteriam uma lista dos grandes mestres da entidade, eram uma farsa inventada por ele. "Se hoje parece que o Priorado de Sião existe é porque Pierre Plantard sempre teve uma grande imaginação", disse André Bonhomme, co-fundador do Priorado e amigo de Plantard, em uma entrevista recente.
Outras mentiras estão relacionadas às descrições artísticas que, segundo Brown, "correspondem rigorosamente à realidade". O quadro da Mona Lisa, por exemplo, supostamente estaria vinculado à combinação das divindades masculina e feminina egípcias Amon-Isis, código supostamente usado por Leonardo para referir-se ao culto andrógino. Porém, Brown parece ignorar que o apelido de Mona Lisa (Madonna Elisa) só apareceu muitos anos depois da morte do célebre artista. Como podia colocar mensagens ocultas num título que ele desconhecia?
Ainda mais ousada é a interpretação do famosíssimo quadro "A Última Ceia" de Leonardo: a Ceia não tem o Cálice Eucarístico porque a verdadeira depositária do sangue de Cristo seria Maria Madalena, quem estaria do lado de Cristo em lugar do apóstolo João. Aliás, na ceia, Pedro, com uma faca na mão, ameaça Madalena, simbolizando em código que "a Igreja irá reprimir a verdadeira religião". Brown parece ignorar que era do estilo renascentista suprimir a barba e qualquer traço de maturidade, seriedade e preocupação quando personagens jovens e puros eram pintados, o que lhes conferia uma aparência quase andrógina. O Evangelho de São João descreve a João como o jovem discípulo amado que estava do lado do Senhor e que pergunta quem irá traí-lo. Precisamente este é o momento descrito por Leonardo na sua Última Ceia. A ênfase não está colocada na instituição da Eucaristia (mesmo assim a pintura mostra recipientes à usança hebréia) mas na turbação produzida pelo anúncio de um traidor entre os apóstolos. É por isso também que Pedro se aproxima a João para pedir-lhe que pergunte a Jesus quem é o traidor. Não se trata de uma ameaça. Se Pedro é pintado com espada na mão é porque, segundo este Evangelho, com essa espada ferirá essa mesma noite a Malco (ver Jo 18,10).
Nem nos Evangelhos canônicos, nem em outros escritos de qualquer autor cristão dos primeiros séculos, nem mesmo nos evangelhos apócrifos existe referência alguma a qualquer relacionamento romântico ou esponsal entre Jesus e a Madalena ou à sua suposta descendência. Não existe um único documento dos primeiros séculos que Brown possa citar textualmente para asseverar isso. De fato, "O Código Da Vinci" está cheio de audaciosas e gratuitas afirmações sobre o cristianismo dos primeiros séculos. Nega, por exemplo, que os cristãos dos primeiros séculos acreditassem que Jesus era Deus e afirma que a divindade de Cristo inicia-se só a partir de uma decisão de Constantino no Concílio de Nicéia em 325. Brown parece desconhecer não apenas os escritos do Novo Testamento que afirmam enfaticamente a divindade de Jesus, mas antiqüíssimos documentos, como a Didakhé e os escritos de Santo Inácio de Antioquia, São Policarpo de Esmirna ou São Justino, que datam do século II, muito antes de Nicéia. Os bispos reunidos nesse Concílio, por outro lado, confirmaram categoricamente (com votação de pelo menos 218 bispos contra 2) a fé popular na divindade de Cristo no contexto da heresia ariana, que a negava. Por último, o senso comum deve nos levar a concluir que é impossível que populações inteiras acreditassem na divindade de Cristo só pelo fato de o Imperador mandá-lo.
As argumentações de Brown sempre estão referidas aos evangelhos apócrifos, que longe de ser secretos foram publicados há muito tempo em muitos idiomas (inclusive em português), porque estes escritos supostamente revelariam uma verdade omitida ou ocultada pelos evangelhos aceitos pela Igreja (ou canônicos). Não menciona, porém, que os evangelhos apócrifos são comprovadamente mais tardios que os canônicos, nem que, atribuindo-se a autoria falsa de algum dos apóstolos, funcionam como legitimadores das idéias gnósticas. Por exemplo, no evangelho apócrifo de São Tomé, Jesus afirma que as mulheres devem converter-se em homens para serem salvas! Haveria que perguntar a Brown como ele explica esta curiosa afirmação do texto apócrifo no contexto de suas teorias sobre o sagrado feminino.
As falsidades, inexatidões e contradições de O Código Da Vinci são tão grandes que até historiadores e críticos de arte que não têm simpatia pela Igreja Católica têm desmentido as afirmações pseudo-históricas de Brown. Umberto Eco, autor de outro romance anti-católico, "O Nome da Rosa", negou-se a reunir-se com Brown por considerá-lo um "farsante que propaga informações falsas". Sandra Misel, crítica de arte, chega a afirmar que quase não existe uma referencia artística que seja completamente verdadeira. Fala-se inclusive que, por causa das freqüentes contradições e da inexplicabilidade dos "fatos" sustentados por Brown, a própria editora proibiu-o de continuar concedendo entrevistas. Em conclusão, o Código Da Vinci não merece maior credibilidade que aquela que damos a qualquer cativante thriller policial."
2 Comments:
É o último? Graças a Deus! Não aguento mais ler sobre o chatíssimo «O Código da Vinci»!!! =P
Mas em uma coisa espero que Dan Brown esteja certo: «Minha sincera esperança é que O Código Da Vinci, além de entreter, sirva como uma porta aberta para o início das investigações (históricas)».
Mesmo que suas histórias sejam estupidamente fantasiosas, não há dúvidas do que mexem com a psiquê cristã.
E temos visto muitos trabalhos sérios sobre o assunto sendo divulgados - infelizmente abafados pelo «sucesso» de «O Código da Vinci». =P
Mas assim a sociedade cristão segue desde o século IV: abafando os fatos com fantasias que, ou substituem a realidade, ou escandalizam, tirando a atenção do que realmente importa.
[]'s
Só há uma explicação para o sucesso do livro e do filme: a ignorância e a preguiça mental de não querer estudar a história onde deve ser estudada: nos livros de história.
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