Coisa Fácil

Este é um blog em que vamos falar, de maneira fácil, de várias coisas: cinema, educação, livros, negócios, pessoas, saúde, tecnologia, e o que mais der na telha. Escolha o assunto que quiser e sirva-se à vontade!

12 janeiro 2006

Um 'NÃO' às respostas prontas!

Algum tempo atrás recebi um convite de um colega para servir de árbitro na revisão de uma prova. Tratava-se de avaliar uma questão de Física, que recebera nota "zero". O aluno contestava tal conceito, alegando que merecia nota máxima pela resposta, a não ser que houvesse uma "conspiração do sistema" contra ele. Professor e aluno concordaram em submeter o problema a um juiz imparcial, e eu fui o escolhido. Chegando à sala de meu colega, li a questão da prova, que dizia: Mostrar como se pode determinar a altura de um edifício bem alto com o auxílio de um barômetro'.

A resposta do estudante foi a seguinte: "Leve o barômetro ao alto do edifício e amarre uma corda nele; baixe o barômetro até à calçada e em seguida o levante, medindo o comprimento da corda; esse comprimento será igual à altura do edifício".

Sem dúvida era uma resposta interessante e de alguma forma correta, pois satisfazia o enunciado. Por instantes vacilei quanto ao veredicto. Recompondo-me rapidamente, disse ao estudante que ele tinha razão, já que havia respondido a questão completa e corretamente. Entretanto, se ele tirasse nota máxima, estaria caracterizada uma classificação para um curso de Física, mas a resposta não confirmava isso. Sugeri então que fizesse uma outra tentativa para responder a questão.

Não me surpreendi quando meu colega concordou, mas sim quando o estudante resolveu encarar aquele que eu imaginei lhe seria um bom desafio. Segundo o acordo, ele teria seis minutos para responder a questão; isto após ter sido prevenido de que sua resposta deveria mostrar, necessariamente, algum conhecimento de física.

Passados cinco minutos ele não havia escrito nada, apenas olhava pensativamente para o teto da sala. Perguntei-lhe então se desejava desistir, pois eu tinha um compromisso logo em seguida, e não tinha tempo a perder.

Mais surpreso ainda fiquei quando o estudante anunciou que não havia desistido. Na realidade tinha muitas respostas, e estava justamente escolhendo a melhor. Desculpei-me pela interrupção e solicitei que continuasse.

No momento seguinte ele escreveu esta resposta: "Vá ao alto do edifício, incline-se numa ponta do telhado e solte o barômetro, medindo o tempo de queda desde a largada até o toque com o solo. Depois, empregando a fórmula h = 1/2gt2, calcule a altura do edifício".

Perguntei então ao meu colega se ele estava satisfeito com a nova resposta, e se concordava com a minha disposição em conferir praticamente nota máxima à prova. Concordou, embora sentisse nele uma expressão de descontentamento, talvez inconformismo.

Ao sair da sala lembrei-me que o estudante havia dito ter outras respostas para o problema. Embora já sem tempo, não resisti à curiosidade e perguntei-lhe quais eram essas respostas.

"Ah!, sim,"disse ele" há muitas maneiras de se achar a altura de um edifício com a ajuda de um barômetro".

Perante a minha curiosidade e a já perplexidade de meu colega, o estudante desfilou as seguintes explicações:

”Por exemplo, num belo dia de sol pode-se medir a altura do barômetro e o comprimento de sua sombra projetada no solo, bem como a do edifício. Depois, usando uma simples regra de três, determina-se a altura do edifício.”

“Um outro método básico de medida, aliás, bastante simples e direto, é subir as escadas do edifício fazendo marcas na parede, espaçadas da altura do barômetro. Contando o número de marcas, ter-se-á a altura do edifício em unidades barométricas”.

”Um método mais sofisticado seria amarrar o barômetro na ponta de uma corda e balançá-lo como um pêndulo, o que permite a determinação da aceleração da gravidade (g). Repetindo a operação ao nível da rua e no topo do edifício, tem-se dois g's, e a altura do edifício pode, a princípio, ser calculada com base nessa diferença”.

”Finalmente”, concluiu, “se não for cobrada uma solução física para o problema, existem outras respostas. Por exemplo, pode-se ir até o edifício e bater à porta do síndico. Quando ele aparecer; diz-se: --- Caro Sr. síndico, trago aqui um ótimo barômetro; se o Sr. me disser a altura deste edifício, eu lhe darei o barômetro de presente”.

A esta altura, perguntei ao estudante se ele não sabia qual era a resposta "esperada" para o problema. Ele admitiu que sabia, mas estava tão farto com as tentativas dos professores de controlar o seu raciocínio e cobrar respostas prontas com base em informações mecanicamente arroladas, que ele resolveu contestar aquilo que considerava, principalmente, uma farsa.

Waldemar Setzer - Professor aposentando da USP

Texto enviado por nosso amigo Carlos E. Thuler.

2 Comments:

At 2:01 AM, Anonymous Anônimo said...

Muito bom!!

Não somente pela narrativa inteligente, mas também por contestar um dos principais problemas de nosso sistema de ensino, a "mecanização" de decorar regras, fórmulas, textos, etc... No que na verdade não são medidas de capacidades, ou mesmo de inteligencia, MINTO, talvez sejam sim medidas de capacidades... capacidade de estar sempre submetido a regras, o que fazer e nunca explorar sua inteligencia, criatividade e iniciativa.

Boa!

 
At 12:37 PM, Anonymous Anônimo said...

Leia Montaigne!!!

 

Postar um comentário

<< Home